terça-feira, 19 de maio de 2009

Como destruímos a esperança (fazendo música)


Se a música está morrendo, são os músicos que a estão matando. São os compositores que a decompõem. Somos tão responsáveis quanto qualquer pessoa – embora não gostemos de admitir. Nós condenamos a “Indústria”, por essa situação – mas somos nós que a fazemos. Abrimos a caixa que nos deram, nos jogamos dentro, fizemos o embrulho e até mesmo pagamos o frete.




"Como Destruímos a Esperança"


Por quê? Por insegurança – necessidade de ser aceito – e até mesmo para ganhar dinheiro. Não pensamos mais sobre a nossa música, somente como ela deve ser. Há quem prefira as benesses de um crítico ao beijo da própria mulher.

Essa atitude dá uma sensação de poder e importância. Parece definir o valor das coisas. Talvez se aja assim porque não se saiba como proceder. Você vê que está próximo – mas gela de medo igual a um animal que vai ser atropelado. Não ria – eu já fiz isso e provavelmente vou fazer de novo. E isso indubitavelmente afeta a nossa música (mas por acaso aprendemos algo com isso?).

Todos nós sabemos que nos portamos como bebês necessitando de carinho o tempo todo. Podemos perceber isso nos valores morais da nossa sociedade, quando ocupamos cargos como os de chefes e cafetões. Sabemos que mesmo os mais persistentes têm dificuldades para manter a concentração. São milhões e milhões de imagens - e distrações – dizendo a mesma coisa ao mesmo tempo: NÃO PENSE. Se sua fantasia e desejo te proporcionam miragens, veja como é fácil esquecê-las quando há muito mais a observar. Nossas criações morrem tão rápido como surgem. Vocês compreendem que estamos matando a nossa esperança?

Parece que a paixão que nos move vem acompanhada de um desejo irreversível de destruí-la. É rápido como um reflexo – uma resposta condicionada. Será um problema sexual? Puritanismo? As descobertas musicais mais intensas possuem um ingrediente sexual, mas o que parecemos sentir é apenas frigidez. É tão fácil para um artista “socializar” seus desejos quando o mundo te diz que é certo vender gato por lebre. Tenha vergonha na cara! Qual é a merda do problema? Se você não escapar dessa prisão, mais cedo ou mais tarde você vai morrer. Tenha culhões. Sue. Observe. Compreenda o outro. Troque. Tente aprender algo enquanto estiver fazendo isso. O sentimento de excitação cresce e se intensifica quando você acredita que isso pode ser feito por muitas outras pessoas. Pense sobre isso.

Se vem do teu interior – é automaticamente válido – é apenas uma questão de ser ou não ser útil. Porque se não está havendo interação vai ter vida curta como uma trepada rápida. O trabalho de muitos compositores é construir um som maciço, mas esquecemos de deixar uma janela ou porta aberta em caso de fuga. Como conseguimos viver dentro de salas tão apertadas? Temos que nos alimentar de nossa criatividade ou morreremos de fome. Chegando a esse ponto só ouvimos o que queremos ouvir. Nos resignamos como escravos de nossa própria gulodice.

Mas se quisermos aprender, temos que ensinar. Será que nos escutarão? Pois eles precisam de você, como você precisa deles. Você pode salvá-los de serem engolidos por esse mundo – como você pode ser salvo por eles. Novos e antigos jogadores devem recorrer uns aos outros. Deve se estabelecer uma relação confiável de falar merda – e aprender a vestir as máscaras do outro. Se esse tipo de relação se desenvolve, coisas incríveis acontecem. Uma música poderosa e pessoal pode nascer. Música ainda lida com contradições e impossibilidades. Mas é isso que define nosso grau de comprometimento.

(Mike Patton)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Divagações de um neo-hippie


Ele não é real. Ao menos não tecnicamente. Mas vive nos palcos e seus questionamentos e pensamentos são garantia de reflexão. Enquanto fala, é praticamente impossível não revermos nossa postura diante a vida.

Da Redação


Para chegarmos até ele precisamos ir ao teatro. Mas não por ser um ator, mas sim um personagem. Conhecido como “hippie industrial”, talvez nem saiba que nasceu de uma frase mal entendida. Cleiton Profeta, autor da peça Veja Você Mesmo da Cia. Circus Musicalis foi o 'pai' dessa figura com traços de filosofo. “A idéia de nome surgiu por acaso, quando eu escutei errada a letra de uma música que diz assim: 'de um rico industrial' e entendi, ouvindo o vinil sem encarte, que o autor cantava 'presente de um hippie industrial'” conta Profeta entre risos. Na época, Cleiton morava em Florianópolis e trabalhava “vendendo badulaques e tocando música para os casais na Praça XV”, como ele mesmo descreve. Assim surgiu a reflexão de que estes exemplares industriais poderiam ser os filhos dos hippies numa geração capitalista. “Artesões vendendo plástico, entende?” exemplifica o também diretor da peça.
O hippie não tem nome. Segundo seu criador, nomeá-lo o tornaria muito comum. “Acredito mais na descrição”, comenta Profeta. Através das próprias palavras do personagem podemos ver seu ceticismo: “Não é por que eu nunca vi um japonês negro que não exista um”. A postura assumida por ele chega a passar uma certa indiferença. “Eu não aposto um centavo que exista Deus, mas também não apostaria que não exista”, conta o hippie.
É da sua natureza uma certa inquietação, comum na maioria dos filósofos. Um de seus assuntos alvos de seu ceticismo são as religiões. "Eu não entendo como pode, em pleno século XXI o mundo ser regido por guerras e religiões se é tudo tão simples..." comenta a personalidade. É provável que esse lado neo-hippie emprega no personagem uma certa paixão, e esta é cativante para o público. Seus ideais são liberais, anti-conservadores. Ele discorda plenamente de todas as religiões. Para ele, não significa que nenhuma delas seja "a verdade". Porém isso seria afirmar que as outras centenas de crenças diferentes estariam equivocadas.
Até aí não é tão complicado compreender a acompanhar o raciocínio. mas então surge a pergunta: Porque um hippie industrial? Ele mesmo responde:"Isso é a antítese essência, é como um cara que da socos em busca da paz. O próprio movimento hippie teve esse caráter dúbio, pois o que era na verdade certa covardia de não querer ir pra guerra, virava uma solução para a paz. E além disso, essa foi a última vez na história da humanidade onde realmente se esperou mudar o mundo." define.
Para quem espera uma atitude revolucionária da parte desta figura, pode se decepcionar. Ele acredita que cada um deve levar a vida do jeito que achar melhor, desde que não interfira na liberdade do próximo e não agrida o meio que o cerca. E a morte? Ele também não se preocupa com isso. Mas não por ignorar: simplesmente por estar tranquilo com ele mesmo. O hippie tem uma certeza se ele está vivo é para aproveitar a vida como ela é. Preocupações com o que vem depois do último dia vivo? "Eu não vejo o menor problema em se depois da morte for simplesmente o fim. ou se houver um julgamento justo, serei "aprovado, pois fui uma pessoas justa em vida" defende ele. Porém caso o ser superior seja "malvado" para lhe castigar, ele se considera pronto. Mas dentro do seu ceticismo ele não apostaria nisso. Para ele, usando a lógica, essa seria a opção mais improvável.
Por fim, podemos dizer que o hippie industrial representa aquela parte inquieta de cada um de nós. O senso questionador, mas ao mesmo tempo igualador define: apesar de sermos diferentes, somos iguais. Mas são poucos os que expõem tais perguntas mesmo para si. Talvez se deva a isso o fato do hippie ser, ainda, apenas um personagem.

(Redação Revista Nossa Santa Catarina - Fevereiro de 2009)