terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quando o publico poderá decidir? (parte 1)


Moro em Joinville uma cidade que poderia ter na entrada uma placa com os dizeres: “A natureza não precisa da arte, o amor não precisa do poeta” e aqui em Joinville menos ainda.
É notável e lamentável a política pão e circo que essa cidade possui, tem até um “Coliseu” (risos), a cidade não possui sequer uma companhia profissional de dança, mas os governantes insistem em chamar de “Cidade da Dança”... ok vamos esquecer os escândalos recentes envolvendo o tema, alias parece mesmo que todos já esqueceram. Não há um bar sequer que toque Jazz, banda de Jazz menos ainda... mas temos um festival de Jazz regado a dinheiro público logicamente. Sabem, faz pouco tempo que me tornei uma espécie de o ultimo-hipócrita-honesto, aquele que diz que se achasse uma mala de dinheiro devolveria, mas será que devolveria mesmo? Acho que só achando pra saber a resposta...
Depois de ler alguns artigos do Zé Rodrix, e alguns bate boca na internet sobre a má utilização do dinheiro público em editais de apoio a artes e Lei Rouanet e similares... não é tão difícil de se entender que os cofres públicos bancarem o CD ou o DVD de determinado artista nada mais é que investir na realização pessoal dele, um artista em nada é melhor que qualquer outro profissional, um médico ou um advogado, um vendedor... são profissões diferentes só isso. Não vejo então o porquê do governo ter que bancar uma peça minha ou um disco meu, se eu sou artista e nasci pobre ou não consegui me destacar no meio isso não é problema do contribuinte, alias se ele quiser me ajudar ele compra o meu CD ou vai ao meu show, mas o direito dele de escolha não pode ser decidido por uma banca que julga qual projeto deva ser agraciado, até por que o julgamento da arte é totalmente subjetivo! Claro que não sou tão radical, e acho que investir em Cultura é valido quando aplicado em estrutura ou em educação, mas para todos! Temos há 8 anos o Teatro Juarez Machado, acho que é o único teatro que já fui que não possui estrutura básica de som e luz, o que torna a produção amadora nele inviável. Então qual a lógica do município gastar mais de um milhão e meio todo anos com esse “edital de apoio às artes” sendo que com simples 100 mil se estruturaria o teatro para todos! Claro a essa altura algum beneficiado da Lei deve estar pensando: “despeito”, daí lembro tal beneficiado que minha ultima apresentação nos dias 27 e 28 de Setembro tiveram o impressionante número de 967 pagantes ( O Teatro possui 500 lugares sendo que você tem que dar 30 cortesias (por dia) para o Bolshoi (façam as contas)) e isso porque ficou muita gente de fora!!! Levantei com a bilheteria, mais que a cidade oferece como teto nesses editais, mas foi o público que escolheu comprar o ingresso e isso é um direito que não pode ser negado! Assim como o risco de se produzir algo existe como existe risco em qualquer outro negócio!
A primeira grande invenção democrática do homem foi o controle-remoto a segunda foi o Youtube. E eu não quero o meu dinheiro sendo aplicado em peças das quais só os produtores e suas famílias vão assistir, quero meu dinheiro melhorando o precário ensino para que a gurizada que hoje está na escola saiba decidir o que é bom ou ruim! Quero que o contato com a arte seja estimulado na escola para que haja discernimento nesse nosso povo tão carente dela. E falo de boca cheia, pois posso me gabar de ter sempre o teatro lotado inúmeras vezes durante os quase 10 anos de Circus Musicalis, e posso me gabar ainda mais de nunca ter utilizado dinheiro público para isso, e mais ainda (agora com louvor) de ter colocado ali dentro todo o tipo de gente, todo o tipo mesmo e acredito que isso é formar platéia! Pode ser pouco, mas para a cidade é muito! Falo isso, pois fui a uma estréia de uma mostra de Teatro no mesmo Juarez Machado e tive o prazer de assistir a um espetáculo maravilhoso, mas uma coisa me incomodou muito, na verdade duas coisas me incomodaram muito, quer dizer... três coisas: a primeira foi o discurso político antes da peça (aff) aquele papo de “A Fundação Cultura investiu” e blá blá blá a segunda foi a revelação da utilização de dinheiro público (seria mesmo necessário?) E a terceira foi quando o atual presidente da associação local de teatro pegou o microfone e perguntou para a “platéia”: “quem aqui é teatreiro? Ator, diretor, cenógrafo?”. E 99% da platéia ergueram o braço (isso sem contar que eu não ergui, pois estava intimidado e não me considero um “teatreiro”). Pensei: ta parecendo uma festa particular, será que eu fui convidado? E pra quem a esta altura do texto está pensando novamente que é despeito por eu nunca ter mamado nas tetas da prefeitura vai outro exemplo: existe um projeto que visa a “formação de platéia” que trouce artistas que sou fã confesso como o Oswaldo Montenegro e o Beto Guedes, no caso do Oswaldo os ingressos esgotaram e custava R$ 50, 00, agora eu pergunto que formação de platéia é essa? Pra usar dinheiro público se o show é pago com um ingresso no valor justo???
Antes que uma pedrada atinja minha cabeça, vou contar pra vocês que antes de ser contra a utilização desse tipo de verba enviei cerca de quatro projetos para esses editais e uma banca formada por três pessoas não aprovou nunca nem um deles, pois é uma banca formada por 3 pessoas decidiu que meu trabalho não era bom o suficiente, mas 947 pessoas decidiram o contrário e viva a democracia!
Recebo diariamente mails de todo o país de fãs do Circus oferecendo propostas de projetos e questionando o porquê de não irmos para Natal ou Belo Horizonte... e sempre respondo que se alguém comprar o espetáculo a gente leva. E sempre sou questionado sobre a possibilidade de utilizarmos a Lei Rouanet e a resposta para isso eu não tenho, pois em toda a minha vida nunca achei uma mala de dinheiro no chão para saber se a devolveria ou não.

(Cleiton Profeta - 14/10/2008)

5 comentários:

  1. Existem fatores que precisam ser pontuados aqui.
    O teatro para todos não é apenas o seu teatro. E fica claro nas postagens como você se apropria do grupo. Ok as monstagens são suas, mas e quem as encena?
    Pelo que me é chegado, não há nenhum tipo de favorecimento a quem se doa a sua arte.
    Conforme este raciocínio é interessante que o bem proporcionado pela arte possa chegar a outros "artistas de verdade" também, e por isso, talvez não fostes comtemplado no edital.
    Quanto a sua visibilidade - frise aqui sua não a do grupo - mande cartas aos jornais, revistas, redes de televisão. Denuncie esse processo se preciso! Utilize sua criatividade de artista para se promover também.
    Reclamar é cômodo, piegas e nada criativo. Esse discurso amargo é que não ajuda em nada.

    Sucesso

    Caroline Vieira
    expectadora do Circus Musicalis no dia 28

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  2. Bom o texto, e é um espelho da realidade joinvillense!
    tenho muitas dificuldades pra expor o meu trabalho aqui, e nao é por falta de reconhecimento, pois já ganhei muitos premios, em Sao Paulo e POA, e percebi que aqui em Joinville há uma panelinha no
    Teatro, ainda bem que não trabalho mais com isso por aqui, resolvi ficar só com a plasticidade das telas.

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  3. Parabéns ao Circus a peça foi incrível!!! Concordo em tudo com o texto, sem contar em outras coisas mais como superfaturamento e etc que essa Le Rouanet possibilita, e para piorar ainda mais agora querem disponibilizar ela para igrejas. AFF

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  4. Oi Caroline, vamos ponderar então: em primeiro lugar que fique bem claro que não estou reclamando de nada, só dividindo com o leitor a minha opinião sobre o dinheiro público utilizado na arte e ela está bem clara no texto. Em segundo lugar a sua afirmação de que "não há nenhum tipo de favorecimento a quem se doa a sua (minha) arte" não está correta, os profissionais contratados como a banda e o Muriel (por ex) são pagos com um percentual bem alto da bilheteria, e quando esta dá prejuízo quem assume todo o risco sou eu... quanto aos alunos da oficina estes fazem sem pagar nem um tipo de mensalidade, ajuda de custo ou coisa parecida e se ingressam já em uma montagem de grande produção se lançado no mercado como o próprio Muriel fez um dia na mesma oficina, da mesma forma com o mesmo diretor e hoje é um ator profissional. A oficina sempre abre as portas para qualquer pessoa, então temos no elenco todo o tipo de gente e até uma grande parte que não almeja uma carreira artística, mas se tornam pessoas mais felizes por poderem desabafar comigo no palco. Não temos um elenco fixo e não é nossa proposta. É claro que há casos como o do Muriel já citado de já fazer parte do Circus, pela amizade e relação que tem comigo e com o meu trabalho, e também pelo reconhecimento do público. Em resposta a uma amiga carioca produtora que mesmo se beneficiando de dinheiro público concordou comigo, mas deixou a seguinte pergunta: ”Se tu tivesses utilizado dinheiro público caso algum projeto fosse “agraciado”, tu dirias o mesmo?” Respondi o seguinte: Sim teria utilizado e hoje estaria falando da mesma forma. Pois deixo bem claro no texto que antes eu não via mal algum nisso, por pura ignorância. Assim como deixo ainda mais claro no texto que eu não sei se mesmo não concordando não utilizaria... Afinal todo mundo tem um preço, mas não é por isso que realmente não seja errada a forma de como esse dinheiro é aplicado. É como um amigo meu que foi a um casamento quando criança e não parava de tomar refrigerante e quando advertido pelo pai para parar de tomar tanto refrigerante ele retrucou: “mas eles estão dando!” E foi exatamente o que um parceiro musical (Cabelo) meu falou: “poxa, mas ele tão dando esse dinheiro, de qualquer forma vai para alguém”. Agora ponderando ao fato de eu me referir ao Circus na primeira pessoa, confesso que sempre foi assim e não vejo o pq de mudar já que o Circus Musicalis não é um grupo de teatro, mas sim a realização do meu trabalho, e quem trabalham comigo sabe disso, pois sempre deixo isso bem claro. Sobre as peças e montagens são sempre todas minhas, porém as trilhas são parceiras com o Fábio Cabelo e o Paulinho Dias, parceria dividida já há mais de dez anos... E antes de qualquer coisa muito obrigado Caroline por ser expectadora e espero que tenha gostado a gente faz tudo com o coração... mesmo!!! Grande abraço. Cleiton Profeta.

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  5. Eu vi que o "anônimo" citou "artistas de verdade" para justificar o pq de usar dinheiro publico. Eu digo que "artistas de verdade" não usam dinheiro público, "artistas de verdade" tem seu público. Quem usa dinheiro público é artista de mentira, tão de mentira que é encapais de se manter, precisa de uma teta no governo.

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